São Paulo, 458 anos: enredada na espiral do obscurantismo

25 jan 2012 by josé carlos vaz, 10 Comments »

Neste aniversário da cidade de São Paulo, os problemas de sempre vão por aí, alguns piorados. Depois dos oito anos do governo Serra-Kassab,  poucos avanços, muitos retrocessos e muita estagnação. Seria fácil  culpar apenas este governo, panfletariamente, pois enormes deméritos não lhe faltam. Depois de oito anos, entregará a cidade pior do que encontrou.  Poderia colocar o governo do estado no rol, e não falaria inverdade.

Entretanto, não é tão simples. Há algo mais amplo na sociedade paulista e paulistana que empurra São Paulo para um  um círculo vicioso que se consolida na cidade: a espiral de um obscurantismo cheio de hipocrisia e cada vez menos auto-engano.

Max Beckmann - Foto de Família (Familiebild), 1920

Governada por oportunistas ávidos por negociatas, comandada pela especulação imobiliária mais desenfreada, São Paulo é a cidade das favelas mais inflamáveis do mundo, queimadas para dar lugar à  arquitetura do medo do mendigo e do ladrão, com suas grades e sua feiúra introjetada nas almas. É a cidade que aplaude a violência policial contra  pobres,  negros, estudantes e  movimentos sociais. A cidade  que aumenta os gastos da prefeitura nos bairros dos ricos e os reduz nos bairros dos pobres.

São Paulo é a cidade onde o poder público produz escassez de qualidade de vida, para que se vendam insustentáveis edifícios de 30 andares a preço de ouro. É a  cidade dos imigrantes escravizados. A cidade onde quem se julga “gente bonita” também se dá o direito de discriminar e ridicularizar quem é pobre ou tem cara de pobre.  Vítima de seu peculiar desurbanismo, São Paulo é hoje a cidade das enchentes e das vias mal pavimentadas. A cidade sem parques e com as praças gradeadas.  É a cidade dos edifícios vagos e da expulsão dos pobres do centro. É a cidade da concentração de renda e do desprezo pelos necessitados. A cidade onde é vergonha andar de ônibus e se considera absurdo ter que pagar R$ 600,00 à empregada. A cidade que, ao invés de socorrer, joga uma polícia truculenta sobre os viciados da Cracolândia, submetidos a uma política que suas autoridades não têm vergonha de definir como “dor e sofrimento“.

Dos soberbos paulistanos, mais da metade não gosta da cidade e gostaria de mudar para outro lugar. São Paulo é a cidade que sucateia o transporte coletivo e destrói árvores para fazer mais avenidas inúteis. É a cidade onde os que se indignam contra a corrupção são indiferentes à humilhação dos pobres. A cidade em cujos restaurantes medianos não se vê um negro, nem como freguês, nem como garçom. É a cidade onde os professores apanham da polícia e a polícia fecha delegacias com medo dos ataques do crime organizado. É a cidade do bilionário escândalo da inspeção veicular e do desmonte da política de assistência social. A cidade da imprensa venal, desonesta e manipuladora que ajuda a esconder os não-feitos, os desfeitos e os malfeitos dos seus governantes.

A São Paulo de hoje não reserva lugar para a dignidade humana.  É a cidade que tem moradores que lutam para não terem metrô em seu bairro, pois não querem conviver com a “gente diferenciada”. É a cidade que abandonou as escolas públicas para os pobres, enquanto nas escolas privadas ensina a segregação social desde cedo. É a cidade dos carrões assassinos nas madrugadas, com seus respeitáveis donos impunes durante o dia. Não faltam muitos matizes da covardia a essa brava gente bandeirante.

São Paulo tornou-se a cidade que persegue seus artistas de rua e fecha bibliotecas públicas. A cidade que não tem uma coleta seletiva de lixo, porém desestimula e persegue os catadores de materiais recicláveis. É a cidade que deixa um bairro inteiro submerso em excrementos por dois meses. A cidade que destrói fachadas e edifícios históricos, pela ganância e pela ignorância. São Paulo é a cidade que ilude a classe média com precárias e arriscadas faixas para ciclistas passearem no domingo pelas vias congestionadas de segunda-feira. São Paulo tornou-se a cidade do espancamento e assassinato de homossexuais, e do boicote ao Bolsa-Família.

Nada disso é fato isolado. São todos a mesma coisa.

Capital de um estado cuja  economia é incapaz de manter seu patamar de industrialização, e que reassume um perfil agrário-exportador que pareceu superado há algumas décadas, São Paulo conforma-se em ser  uma cidade global subordinada, que importa bugigangas da China e idéias dos Estados Unidos. Com uma elite econômica cada vez mais rentista e menos produtiva, a cidade vai virando as costas à inteligência. São Paulo substitui conhecimento por adestramento profissional; substitui cultura por entretenimento de massa. Submetida à mesma crise de liderança que corrói o estado e suas instituições, como no exemplo da USP, a cidade é, a cada dia, menos democrática. E, a cada minuto, mais desumana.

Alimentando-se apenas dos próprios preconceitos, uma gente tacanha vai construindo a própria decadência. Pequeno-burgueses de uma classe média provinciana e estúpida rejeitam  quem queria falar de  justiça econômica, tolerância e democracia.  Escondem-se atrás da meritocracia dos brancos para combater políticas que tentem reverter os efeitos dos quinhentos anos de desiguais oportunidades, nos quais  se assentam seus supostos méritos. Muito orgulhoso de seu ouro de tolo, esse povo rancoroso incomoda-se com a ascensão social dos pobres e com o progresso do resto do Brasil. Fingem que são ricos e que vivem em um lugar civilizado, mas apenas fazem de São Paulo uma cidade cada vez mais reacionária.

 

Leia também: Panfleto por uma SP menos reacionária, de Xico Sá, que inspirou este texto.

Hoje, 25 de janeiro: Ato de protesto em SP: ESPECULAÇÃO EXTERMINA: BASTA DE TREVAS NA LUZ E EM SÃO PAULO!

 

 

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10 Comments

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  2. Margarete Gaspar de Almeida disse:

    Excelente artigo Vaz. Eu faço parte dos milhões de paulistanos que usa transporte público (ônibus, metrô, trem e van) para chegar ao meu destino. O transporte público é péssimo e temos que matar um leão por dia para conseguirmos um lugar ao sol, ou melhor, no degrau da porta que não abre (porta para corredores de ônibus, afinal não temos corredores suficientes não é mesmo?). Se você não quer assistir As mulheres ricas da Band, ou as novelas globais, e estiver no metrô, ah! não se preocupe as televisões instaladas dentro dos vagões se encarregam de lhe prestar esse desserviço! Em cada vagão há pelo menos seis televisores transmitindo a mesma porcaria! Como circulo em distintos horários e costumo prestar muita atenção nas faces que compõem os lugares no espaço do transporte público, já posso dizer que a grande maioria se quer se anima para subir o olhar para a programação inútil que essas emissoras insistem em “socar” na população em massa, e que acreditam que engolimos essa cultura de massa a qualquer preço. Não basta ter TV no metrô, a linha do consórcio plus (Zona Leste) também tem seu aparelho, o qual presta também o desserviço de televisionar resumidamente as telenovelas globais com direito à legenda. Afinal não tem som a TV.
    Tenho pensado seriamente que essa Paulicéia está mais para Mad Max do que para a melodia inesquecível do manhoso e “ elitoso” Caetano Veloso, a saudosa Sampa. Estamos mais para o Trem das Onze, e de verdade é das onze da manhã! Se perder o trem nesse horário pode chegar atrasado ao seu compromisso.
    Dessa forma a periferia vai caminhando sem lenço e documento, mas com o IPTU cada vez mais alto. De verdade não avançamos mesmo, é só olharmos nos dados referentes às políticas sociais. Caracterizando a zona leste em diferentes áreas dá desespero de falar em bônus demográfico! A população idosa é mínima nas regiões de São Mateus, Cidade Tiradentes, Itaquera, Ermelino, Penha, Gaianases entre outras. O que fazer em termos de educação? Como podemos olhar essa realidade e visualizarmos algum futuro próspero para essa população tão jovem? E acredito que a zona sul (região de parelheiros e capão) não é diferente da leste.
    São tantas mazelas que você abordou tão bem, que eu apenas acrescentaria com a minha experiência empírica (uma realidade distante para muitos professores e alunos da EACH). Quanto a policia existe outro problema que também deve ser mencionado: “a corrupção”! Sabemos que isso contribui muito na permanência dos jovens dentro do crime organizado. Essa instituição ilegal cresce vertiginosamente sua produção marginal, e tem sem dúvida o apoio da polícia, que faz a cobertura em troca de muito dinheiro. Infelizmente sabemos que enquanto os filhos da diarista correm risco nas ruas de Sampa, os filhos de muitos policiais militares e civis estudam em colégios privados e fazem longas viagens de férias. Com certeza se houvesse investigação sobre os atos administrativos desses servidores públicos descobririam que seus patrimônios são incompatíveis com a “vida que gozam”. Aqueles que não conseguiram fazer a sua ronda por conta do deslocamento para “acompanhar” a reintegração de posse dessem mesmo sem dó “pancada” nos trabalhadores que tem o direito à moradia,… é tá lá na nossa Constituição Cidadã!
    Espero que a nossa democracia na próxima eleição nesse município seja inteligente, e possamos eleger um gestor público comprometido com a Grande São Paulo.

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      Hey Steve or anyone, is there any data on the demographics of the Navy Seals? I get the impression it is not very affirmative action-y. Seems like it has a bunch of white males in it … often from the South.

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  4. […] os outros não conseguem ir além de pensar do obscurantismo de uma campanha de síndico de uma caverna do pré-cambriano, ele pensa a cidade como liderança política de uma metrópole global deve fazer. 4 – […]

  5. […] Texto de referência e provocação: VAZ, J.C. São Paulo, 458 anos: enredada na espiral do obscurantismo. […]

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