Tecnologia e democracia andam juntas?

8 abr 2010 by josé carlos vaz, 3 Comments »

Artigo originalmente publicado no jornal Brasil Econômico, em 7 de abril de 2010. Baseado em conclusões de pesquisa apoiada pela Rede LogoLink.

O envolvimento da sociedade civil nas decisões públicas é indispensável para o fortalecimento de uma democracia que promova o desenvolvimento e a redução das desigualdades. Não basta o exercício periódico do voto ou o funcionamento regular das organizações governamentais. É preciso envolver as representações de setores interessados nos processos decisórios das políticas públicas. Da mesma forma, os governos precisam prestar contas de seus atos à sociedade, e não somente aos tribunais de contas.

Nos últimos anos, surgiram algumas aplicações da tecnologia da informacão (TI) voltadas a essas demandas por prestação de contas dos governos e por participação dos cidadãos nas decisões públicas. Em geral, valem-se da internet como meio de interação governo-cidadãos. Damos a essas aplicações o nome genérico de governança eletrônica.

Há exemplos dignos de nota. O Portal da Transparência do governo federal (www.portaltransparencia.gov.br), iniciado em 2004, permite consultas sobre os pagamentos do governo federal a cada pessoa física ou jurídica. Por ele é possível identificar, por exemplo, quem recebe benefícios do Bolsa Família. Alguns estados e municípios têm seguido esse modelo de portal com acesso a consultas sobre gastos públicos.

Em outro exemplo, o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso criou o Portal do Cidadão (www.tce.mt.gov.br/cidadao). Nele é possível acompanhar os gastos dos municípios mato-grossenses, o andamento das obras e diversos indicadores das políticas públicas de educação e saúde.

Apesar dos méritos dessas iniciativas, a maioria das práticas de transparência dos governos na internet está voltada apenas para o monitoramento de desvios e prevenção da corrupção. Pouco tem sido feito para oferecer informações on line que permitam à sociedade avaliar o alcance e a qualidade das políticas públicas e dos gastos governamentais.

O quadro é mais modesto no campo da promoção da participação cidadã nas decisões públicas. Alguns municípios, como Recife e Belo Horizonte, têm usado a internet para aprimorar seus Orçamentos Participativos e permitir aos cidadãos apresentar sugestões sobre prioridades de obras ou até votar na escolha de quais devem ser realizadas,. Também podem ser destacadas as consultas públicas através da internet, promovidas por várias agências, como ANVISA e ANATEL.

Essas experiências servem para mostrar as possibilidades de participação da sociedade na tomada de decisões, mas ainda têm um alcance limitado: a tecnologia sozinha não conseguiu estimular novas práticas participativas e tem servido de instrumento eficaz a umas poucas.
Seguramente, este não é um problema tecnológico. O que falta não é tecnologia. As aplicações voltadas à transparência e ao controle social dos governos, assim como aquelas destinadas a promover a participação, utilizam muito pouco da tecnologia disponível na internet ou na telefonia celular.

O problema é essencialmente político. Onde não há interesse da parte dos governos, nem pressão da sociedade civil, a governança eletrônica prospera timidamente, E o desenvolvimento tecnológico ajuda a democracia menos do que poderia.

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3 Comments

  1. Marcelo Arno Nerling disse:

    Oportuno, Dr. Vaz, o seu artigo. Estamos avançando com a governança eletronica e as redes sociais reforçam o olhar sobre a própria gestão das diversas políticas públicas do País.
    Estou convencido que há um caminho. O Prof. Vaz, juntamente com seus orientandos, nos tem ajudado a olhar para esse novo cenário, nem tão virtual assim. A sociedade civil, e aquí me refiro aos cidadãos brasileiros, devem assumir a sua parte na construção da democracia. Caminhos tecnológicos existem.
    Um exemplo é o Cadastro de Improbidade Administrativa, que pode ser acessado pela Internet.
    O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disponibilizou ao público no portal do CNJ (www.cnj.jus.br), a partir do dia 31/03/2010, o Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa.
    O público externo pode acessar o cadastro graças a alteração da Resolução 44 do CNJ, de novembro de 2007, que instituiu o cadastro.
    Na página eletrônica do Conselho, basta clicar o link “Improbidade Administrativa – Acesse a Consulta Pública”. A seguir, na aba “Consulta pública”, o interessado poderá verificar os processos já julgados que não cabem mais recurso (transitados em julgados).
    Há duas opções de consulta: pelo número do processo ou pelos nomes das partes. Clicando sobre o número do processo, o cidadão poderá visualizar detalhes sobre as condenações – tribunal, subseção ou vara -, sobre os motivos das condenações e sobre as penas aplicadas. Até agora, o acesso ao cadastro era permitido apenas a usuários com senha.
    A Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92 -, impõe o ressarcimento do dano, pagamento de multa, perda do que foi adquirido ilicitamente, perda da função pública e dos direitos políticos, além de proibição de firmar contratos com o poder público.
    Portanto, como bem destacado pelo Dr. Vaz, não nos falta tecnologia, nos falta cidadania e Accountability.

    • josé carlos vaz disse:

      Prof. Marcelo,

      Muito obrigado pelo comentário e pelas informações complementares, muito úteis.

  2. Ótimo post fazia tempo que estava procurando algo tão esclarecedor.

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