Vale a pena adotar o pedágio urbano em São Paulo?

11 nov 2012 by josé carlos vaz, No Comments »

Quando se fala de mobilidade urbana, São Paulo, por suas dimensões, deve ser comparada às megacidades mundiais. E perde na comparação com a maioria delas, tanto do primeiro quanto do terceiro mundo.

Stanley Spencer – View from Cookham Bridge – 1936

A soma da política de privilegiar o automóvel acima de qualquer outra forma de deslocamento à insuficiência de investimentos e atenção do poder público para o sistema de transporte coletivo da cidade criou uma cidade totalmente entregue ao automóvel e, por isso mesmo, congestionada e incapaz de oferecer condições dignas de deslocamento para seus cidadãos. Na verdade, a cidade não explora todas as possibilidades: muitos cidadãos veêm-se praticamente obrigados a utilizar o automóvel ou a motocicleta, enquanto há modos de transporte subutilizados (como o modo ferroviário/metroviário e o cicloviário) e modos que sequer são adotados, apesar de viáveis, como o transporte aquaviário e o transporte por bondes.

A inépcia dos governantes lançou São Paulo em um círculo vicioso: como não há transporte público adequado, mais gente utiliza o automóvel. Com isso o trânsito piora e prejudica o transporte público. Como consequência, mais gente vai utilizar o automóvel ou a moto para fugir do transporte público. A cidade vai ficando entupida de automóveis. Todos perdem, mas são os mais pobres que pagam o maior preço com pedaços de seu seu tempo e, portanto, desperdiçando parte de sua vida.

A adoção do pedágio urbano como instrumento de restrição veicular é um dos dispositivos que podem ser utilizados para reduzir a circulação de automóveis em áreas críticas.

Seu funcionamento é simples: institui-se a cobrança de um valor aos veículos automotores que trafegarem nas vias de uma determinada área na qual se deseja restringir o tráfego (normalmente o centro urbano). A cobrança funciona como um desestímulo à circulação dos veículos sujeitos a ela.

Trata-se, portanto, de um instrumento de restrição veicular, como são a proibição de circulação em vias destinadas aos pedestres ou ao transporte coletivo, ou o rodízio de veículos. A sua peculiaridade é que não apresenta uma restrição total (física ou legal) à circulação dos veículos, mas condiciona esta ao pagamento de um valor necessariamente proibitivo, mas que não impeça os deslocamentos inevitáveis por transporte automotor privado.

Benefícios do pedágio urbano

Os benefícios esperados da adoção desse mecanismo são basicamente a redução de congestionamentos e da poluição, em virtude da redução do número de veículos motorizados circulando. Além desses benefícios diretos, um benefício indireto a se esperar é a redução dos custos sociais dos congestionamentos, que podem atingir vários bilhões de reais por ano, em uma cidade como São Paulo.

Trata-se de um impacto desejado, porém difícil de apresentar ao debate público. Isto porque o custo social é muito abstrato, distante do cidadão comum. Do ponto de vista do discurso, seria difícil sustentar uma defesa do pedágio urbano com base no argumento da redução desses custos, seria melhor tratar isso como benefício indireto.

Por ser uma cobrança que deve funcionar como sanção e desestímulo, não pode ser baseada em algo como planilhas de custos de referência. No caso da adoção do pedágio urbano, o valor deveria ser calculado não com base em um critério objetivo relacionado a custos ou impactos, mas para ser um valor que efetivamente inibisse o uso do automóvel.

Alternativas

O pedágio urbano pode ser implantado com alternativas. Pode haver o pagamento por viagem, ou o pagamento de uma taxa periódica de autorização do tráfego na área restrita.

Pode-se oferecer uma espécie de “franquia”: o veículo pode fazer um certo número de viagens à área de restrição sem pagar nada. Ou veículos que transportem mais de um passageiro podem ser declarados isentos. Essa política já é adotada em algumas cidades para o uso de faixas expressas em certas vias mais congestionadas.

Também pode ser importante oferecer estacionamento barato nos limites da zona pedagiada, permitindo que os passageiros deixem o automóvel e usem o transporte público em regime de integração física e tarifária. Com isso, minimiza-se o problema dos usuários que vão até o centro usando automóvel por que tem dificuldades no acesso ao transporte público no primeiro trecho da viagem (por exemplo, para pegar ônibus até o metrô ou corredor).

A implantação em São Paulo é viável?

A adoção desse mecanismo supõe a existência de uma oferta de transporte público capaz de suportar as viagens por transporte individual que venham a ser eliminadas.

No caso de São Paulo, há duas dificuldades para a adoção de pedágio urbano para restrição veicular. A primeira diz respeito ao impacto direto nos serviços de transporte público. Geraria uma demanda grande por metrô, pois boa parte dos usuários de automóvel não migraria para o ônibus, dando preferência ao metrô, tanto pelas características intrínsecas do serviço, como porque para o usuário de automóvel da classe média o ônibus tornou-se um transporte “de pobre”.

Esse é um desafio cultural para pensar o transporte urbano em SP: a noção de que apenas o metrô é aceitável para a classe média motorizada. Além disso, as iniciativas de expansão do metrô demandam vários anos até que se tornem disponíveis para os usuários, e São Paulo está longe de ser uma cidade cuja expansão do metrô acontece a passos rápidos…

A segunda dificuldade é de ordem política. Um governo do PT poderia fazer o que fizesse, e não escaparia de ser terrivelmente bombardeado se implantasse um pedágio urbano. A imprensa e os setores conservadores não perdoariam e submeteriam o governo a uma carnificina. Um governo da direita talvez tivesse um tratamento menos violento, mas enfrentaria resistências também fortes. Logicamente, um enorme esforço de comunicação deveria ser feito. Entretanto, as barreiras mentais são de tal ordem, tão arraigadas nas pessoas, que seria necessário oferecer algum tipo de benefício para atraí-las, como alguma vantagem que mexesse favoravelmente no bolso de quem não usasse o automóvel. Ou teria que ser implantada uma melhoria muito significativa do transporte público, em termo muito curto.

A implantação de pedágio urbano deve ser precedida de melhorias do transporte público.

Seria difícil convencer as pessoas viciadas em automóvel a piorarem o conforto de suas viagens, usando o transporte público, com a promessa de que será melhorado depois, com a arrecadação do pedágio urbano. Este deve ser usado para inibir viagens por transporte individual que possam ser consideradas substituíveis pelo transporte público pelos próprios passageiros, e não como fonte única de financiamento para investimentos para viabilizar o abandono do uso do automóvel.

Em São Paulo, o mercado já adotou uma forma privatizada de pedágio urbano: o estacionamento a preços muito elevados. Algumas viagens justificam o uso de táxi em lugar de se pagar estacionamento. A desvantagem dessa situação é que os recursos arrecadados não se convertem em recursos para melhorar o transporte público.

Não confunda pedágio urbano com pedágio em área urbana

Por fim é importante salientar que existe hoje no estado de SP uma discussão sobre os chamados “pedágios urbanos” que é diferente desta. Trata-se dos pedágios em trechos urbanos de rodovias. Na cidade de SP já existem duas experiências: na Rodovia dos Imigrantes, na entrada de Diadema, e na pista expressa da Rodovia Castelo Branco, para quem vai a Alphaville. Não se pode chamar isso de pedágio urbano na acepção usada aqui. Tratam-se de vias pedagiadas em área urbana, o que é diferente. Esses pedágios não se destinam à restrição veicular, e sim a gerar receita para as empresas concessionárias das rodovias.

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