O preconceito de uma elite provinciana
Nos últimos dias, ganhou destaque os comentários de uma penca de xenófobos racistas contra os nordestinos. Revoltados pela derrota do candidato da direita, muitos protofascistas revoltaram-se, atribuindo a derrota à “Bolsa Esmola” ou “Bolsa 171” de Lula. O caso que mais se destacou foi o da estudante de direito paulista Mayara Petruso (veja aqui excelente texto do jornalista Renato Rovai sobre o assunto).
A mocinha gentil, além de chamar os nordestinos de “vagabundos”, escreveu, textualmente, no twitter: “Nordestito(sic) não é gente, faça um favor a Sp(sic), mate um nordestino afogado!“. (Para ver uma coletânea desses disparates, clique aqui).
Os piedosos chamam gente que faz isso de ignorantes. Parece-me que cabe melhor a denominação “criminosos”, pois o racismo é crime neste país.
Mas é verdade que seu crime é um crime social. Ainda que praticado individualmente por cada um, é produto de um ethos compartilhado por determinados setores sociais.
O preconceito normalmente embasa-se no desconhecimento e no medo.
Primeiro, vamos tratar do desconhecimento. Quem se diz “elite” no Brasil de hoje não tem nenhum argumento para justificar seu desconhecimento com relação ao nordeste brasileiro. A menos que seja ignorante por opção. Que é exatamente o que faz a provinciana “elite” paulista leitora da Revista Veja. Sabe tudo apenas do mundo do consumo, do mundo das aparências. Contenta-se em oferecer aos filhos uma educação para passar no vestibular, e para o mercado de trabalho, não para formar cidadãos.
Um dos criminosos racistas na internet, um tal de @raaulduarte (que, como bom covarde, apagou a conta no twitter), usa como argumento para sua superioridade o fato de já ter viajado ao exterior! Ele diz: “você não deve nem ter saído do país, nunca“. Essa é a postura típica de uma elite provinciana, que acha o máximo mandar os filhos adolescentes passarem uma temporada de intercâmbio em alguma cidadezinha perdida do interior dos EUA, mas não os estimula a conhecer o Brasil real, o da pobreza e da desigualdade. Cria jovens que, aos 18 anos, já viveram no exterior, mas nunca tomaram um ônibus ou o metrô. Reproduz ignorantes para o mercado.
E que medo é esse, que embasa esse preconceito? O medo é um sentimento tão primitivo que dificilmente pode ser explicado apenas no plano racional. Muitos de nossos medos, nós nem sabemos que os sentimos. Há sempre o medo mais imediato, o de que venham tomar nosso lugar. Em um país baseado na desigualdade, quem se julga “elite” precisa demonstrar o tempo todo que não é “aquela gente”. Para muitos dessa pretensa “elite”, a redução das desigualdades no Brasil, por menor que seja, soa como uma ameaça. Uma ameaça percebida individualmente, mas também percebida como uma ameaça coletiva, a um modo de vida, a uma determinada identidade cultural e, mesmo, étnica. A ascenção social é uma ameaça à “gente bonita”, que se vê branca, culta e bem sucedida por conta do seu trabalho.
Esse preconceito nega a História. Floresce em gente que esconde suas origens humildes, seus antepassados índios, negros ou imigrantes europeus esfarrapados. Gente que não leva em conta a história de suas famílias e as condições propícias que lhe deream vantagens para chegar a seu pretenso “sucesso”. Que ignora, porque não lhe interessa conhecer e entender o Brasil e os processos que construíram as desigualdades regionais no país. Ao desnudá-los, vê-se o que está em sua base: exploração, escravidão, racismo… Ao tornar clara a gênese e as razões das desigualdades regionais, as desigualdades sociais imediatamente aparecem. E mostra quem ganha com elas.
Uma educação que alimenta o preconceito
Um dos mecanismos que alimenta esse preconceito é a transformação das escolas em guetos. Cúmplice do sucateamento da educação pública paulista nas últimas três décadas, a classe média isola seus filhos em escolas que parecem locais “seguros”, onde se encontram apenas os iguais, o que reforça uma identidade compartilhada que nega as outras.
Isso é exatamente o inverso do que a educação pública de qualidade deveria produzir.
A escola pública de qualidade é a única maneira de produzir igualdade de oportunidades, ao contrário do que nossa educação pública promove hoje em S. Paulo, criando uma clivagem de classe que faz com que o destino de uma criança esteja traçado aos cinco anos de idade.
Mas não se trata somente de promover a igualdade de oportunidades. A escola pública, ao retomar a qualidade, também será capaz de atrair setores que hoje valem-se de escolas privadas. Acontecendo isto, a escola pública será capaz de promover também a convivência com o outro, aquele que é diferente em suas origens, família, condição social. Mas não é nem melhor nem pior, igualados todos em direitos por serem cidadãos, não por pagarem a mensalidade.
Enquanto isso, a sociedade deve mobilizar-se para que as Mayaras Petruso não sejam beneficiadas pela solidariedade de classe para escapar às punições que a lei lhes reserva. Não dá para ela, como outros já fizeram, simplesmente dizer “desculpe” e ficar por isso mesmo.
Vale a pena ler também o texto de Ricardo Moraleida, sobre este assunto.
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