Fernando Haddad: intolerância com a desigualdade e tolerância em relação à diversidade
Fernando Haddad: “Eu sou um socialista”
Reproduzo abaixo trechos da entrevista do candidato do PT a prefeito de São Paulo, concedida à Revista Época
ÉPOCA – Lula e Dilma estão dando conselhos ao senhor?
Fernando Haddad – Conversamos frequentemente.
ÉPOCA – Que conselhos eles dão?
Haddad – São observações, preocupações, antecipações…
ÉPOCA – Dê um exemplo concreto.
Haddad – O tipo de ataque que vai ser feito. A presidenta sofreu muitos ataques pessoais, difamação, injúria. Ela fala sobre como lidar com esse tipo de provocação. A vida pública é difícil por esse lado… Você quer fazer um debate de nível, e aí de repente sai alguém com comentários que você nem compreende a intenção. Olha, o maior drama que a presidenta Dilma sofreu foi essa coisa de rebaixar o debate, de usar a crença e a fé das pessoas, estimular a intolerância, criminalizar comportamentos, não se solidarizar com dramas pessoais. A campanha é um momento precioso: a sociedade se reúne em torno da discussão pública. Mas às vezes involui. Ela me dá diversas sugestões de como resistir a eventuais ataques desse tipo.
ÉPOCA – Na última eleição municipal, a campanha do PT perguntou se o prefeito Gilberto Kassab era casado e tinha filhos.
Haddad – Foi um equívoco. O partido reconheceu. E veja a diferença: a campanha admitiu o erro, assumiu o erro e se retratou. É diferente de uma prática que foi usada sistematicamente e da qual não se fez autocrítica até hoje.
ÉPOCA – Por falar em autocrítica, o senhor vai passar a campanha toda respondendo sobre as falhas do Enem.
Haddad – O Enem é um trunfo importantíssimo. Uma de nossas maiores realizações foi inscrever 5 milhões de brasileiros para concorrer a 450 mil vagas na universidade. Acabou com 95 vestibulares. As pesquisas dão conta de um número recorde de aprovação. O Enem americano tem 85 anos e enfrenta problemas até hoje. Não sou estrategista, mas é um tiro na água que vão dar se quiserem acertar no Enem.
ÉPOCA – Ficou a imagem de um exame com problemas de gestão.
Haddad – Uma imagem artificialmente construída. Em 2009, realmente houve um problema grave. Mas depois foram questões muito pontuais. Em 2010, 0,1% das pessoas refizeram a prova à custa da gráfica que errou num lote de impressão. Em 2011, foi um colégio afetado pela questão do pré-teste. Um.
ÉPOCA – O senhor escreveu um livro chamado Em defesa do socialismo. O que é ser socialista?
Haddad – Eu sou um socialista. O socialismo, em minha opinião, tem dois compromissos importantes. O primeiro é a recusa de toda experiência autoritária em nome da igualdade. Entrei no movimento estudantil numa quadra histórica em que ainda havia forte presença de stalinistas e trotskistas. E nunca militei nessas organizações, justamente em virtude do viés autoritário. Então, sou de linhagem mais frankfurtiana, por assim dizer.
ÉPOCA – E o segundo compromisso?
Haddad – É o apreço pela agenda da igualdade, a ampliação de oportunidades, a emancipação dos indivíduos. Pela intolerância em relação à desigualdade e tolerância em relação à diversidade. Até fico impressionado com a quantidade de neoliberais ex-comunistas. É notável. A pessoa é neoliberal, mas foi comunista na juventude, o que revela certa coerência na forma, mas incoerência no conteúdo. Eram autoritários de esquerda, viraram autoritários de direita. E não prestaram contas dessa trajetória. Defendiam o Estado absoluto, defendem agora o mercado absoluto. Então essa recusa ao autoritarismo – estatal ou de mercado – é o apreço pela diversidade e a busca por equalização de oportunidades e combate à desigualdade.
(…)
ÉPOCA – O senhor foi morar em Brasília em 2003, está voltando agora. Nesse intervalo, o que mais mudou em São Paulo?
Haddad – Sem dúvida, o trânsito. É notável como as coisas ficaram mais complexas. E não sei se as pessoas se dão conta, mas a cidade ficou mais escura. Pouca iluminação pública.
ÉPOCA – É impressão sua ou o senhor tem algum dado objetivo?
Haddad – Não, é uma percepção forte de que a cidade está menos iluminada à noite e, portanto, menos segura. Outro dia, falei com pessoas que têm a mesma percepção. Falaram que é o projeto Cidade Limpa, que retirou os outdoors. Aquilo iluminava muito mais do que se supunha.
ÉPOCA – Mas o senhor quer a volta dos outdoors?
Haddad – Não. Da iluminação. Temos de repensar a iluminação para reocupar a cidade à noite. Isso vai trazer segurança.
ÉPOCA – No transporte, que medidas concretas pretende tomar?
Haddad – Não é questão de prometer. Havia um plano com ênfase forte em corredor de ônibus. Nossa gestão (2001-2004) fez um investimento importante, combinando corredores e bilhete único, mais integração com outros modais. Não houve continuidade. Estou convencido de que São Paulo deve privilegiar o transporte público. Podemos, em parceria com o governo federal, resgatar aquele projeto e atualizá-lo.
(…)
ÉPOCA – O senhor já disse que a USP não pode ser tratada como a Cracolândia nem a Cracolândia como a USP. Em relação à atuação da Polícia Militar, como deve ser tratada cada uma delas?
Haddad – A força militar no campus pode gerar estresse desnecessário. Acho que tem de reforçar a segurança nos campi. No MEC, fizemos muito investimento nisso, com empresas de segurança. A UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) estava com um problema crônico e melhorou muito sem a necessidade de força militar. Depois da prisão dos estudantes (da USP), houve o espancamento de um estudante negro por um policial, que chegou a apontar o revólver para os estudantes.
ÉPOCA – Mas tirar a Polícia Militar da USP não é tratar os alunos como privilegiados?
Haddad – É a questão da especificidade de um campus universitário. O risco é transformar repressão civil em repressão política. Esses limites, dentro de uma universidade, são tênues. A universidade é um lugar de um debate permanente, de contestação permanente. Ela tem a capacidade de formular projetos sobre sua própria segurança. Não é o caso da Cracolândia, onde você tem o tráfico e a presença de crianças.
ÉPOCA – O senhor acha que a ação da PM na USP foi repressão política?
Haddad – Em relação aos meninos indiciados, os três que estavam dentro do carro, de certa maneira foi. O tratamento que eles receberam ali não foi o que deve ser dado a eventuais usuários. Foi um tratamento de cidadão de segunda categoria.
ÉPOCA – E a Cracolândia?
Haddad – A questão da saúde pública ficou subalterna. O que as pessoas corretamente dizem é que, nessas operações, a saúde pública e a assistência têm de estar muito presentes.
(…)
Tags:Eleições, Fernando Haddad
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