Desculpem, mas só há dois lados

19 out 2014 by josé carlos vaz, 1 Comment »

Muito cedo, aprendi que só há dois lados. O mundo é complexo, os problemas têm várias dimensões, em poucos casos existem o absolutamente certo e o absolutamente errado; acredito nisso, mas tenho certeza de que, quando as decisões realmente importantes são colocadas à nossa frente, só há dois lados.

Não se trata de maniqueísmos, trata-se de fazer escolhas. Entre um lado e outro, entre um tipo de futuro e outro, entre um tipo de vida e outra, temos que escolher, ou escolherão por nós. A essas escolhas fundamentais, tudo o mais se subordina.

Stanley Spencer -  Hilda with Bluebells (1955)

Stanley Spencer – Hilda with Bluebells (1955)

Bem jovem, também aprendi que  é impossível ter todas as coisas ao mesmo tempo, por mais que o queiramos e devamos lutar para tê-las. Na hora das escolhas fundamentais, não é razoável espernear e dizer que se quer tudo, pois corremos o risco de ficar sem o mais importante.

Esses princípios eu os uso para muitas decisões. Por exemplo, entre ficar ao lado dos que lutam contra a homofobia e aqueles que pregam a discriminação e incitam a violência contra os gays, eu sei de que lado me posicionar. Jamais sujaria minha vida, colocando-me ao lado dos homofóbicos que inundam nosso país. Se Feliciano e Malafaia estão de um lado, o meu lugar é o outro.

Igualmente, não posso sentir-me bem se estiver do mesmo lado de quem trata com desprezo quem é de outro lugar. Como poderia viver sem repugnar-me, se estivesse do mesmo lado daqueles que chamam os nordestinos de gente inferior e desinformada, apenas porque não abaixam a cabeça para sua vontade senhorial? Não, com essa gente, não posso jamais me colocar, o meu lado será sempre o outro.

E os que praticam o racismo, então? Não quero estar do mesmo lado nem daqueles que o praticam em suas formas mais veladas. Como poderia fazer parte de um partido que não elege um único parlamentar negro ou indígena, ou estar ao lado de quem vai à justiça contra as ações afirmativas, como as cotas, que estão permitindo mudar a face dos alunos das universidades brasileiras, corrigindo um erro histórico? Elas não serão mais necessárias quando não conseguirmos mais distiguir, pela cor da pele, se dois grupos de jovens são de alunos de universidades públicas ou de vítimas da violência policial e do narcotráfico nas periferias.

Nos aviões que tomo, vejo também muita gente em cujo lado não quero estar. Os distinguo pela cara de nojo que fazem quando algum trabalhador, pessoa simples e de poucos recursos, com cara de pobre (e rosto normalmente mais escuro) viaja a seu lado, para (seu) infortúnio. Não sei fazer essa cara de nojo; fico feliz ao ver que as pessoas pobres podem visitar os parentes, ou simplesmente passear nas férias. Não tenho medo nem inveja do sucesso dos mais pobres, ele me faz feliz.

E não me incomodo com o sucesso dos outros, porque não ando na vida à cata ou em defesa de privilégios, que nunca os tive muitos. Por isso, não me incomodou a nova legislação do trabalho doméstico, e sua promulgação não me flagrou como um neosinhozinho. Não, recuso-me a estar do mesmo lado de quem reclama porque uma pessoa humilde passa a ter direitos, e acha que faz um favor por dar emprego mal-pago a uma mulher pobre a quem nega, muitas vezes, um prato de comida durante o trabalho. Seguramente, não estou do mesmo lado dessa gente, e não colocarei no meu carro o mesmo adesivo eleitoral que colocam no deles. Para mim, a Lei Áurea foi pouco. Para eles, teria sido demais, se vivessem à época…

Nem posso dizer-me aliado daqueles que submetem as mulheres aos seus ditames religiosos ou, simplesmente, machistas. Não sou da mesma turma dos que querem mandar no corpo alheio, e que não se importam que milhares de mulheres morram em abortos clandestinos, todos os anos. Essas mulheres também são gente, não são uma ideia abstrata de moral. Depois de mortas, toda a moral e caridade que as levou à morte não servirá de mais nada. Não, eu não me posiciono desse lado.

Não posso, ainda, deixar-me ficar ao lado daqueles que propõem, demagogicamente, a redução da maioridade penal, e que são os mesmos. Querem tanto evitar o  aborto, mas não se importam que os adolescentes sejam presos e destruídos na cadeia. Não é de espantar que os que defendem a redução da maioridade penal têm, entre seus apoiadores, gente capaz de agredir moralmente e intimidar um cadeirante apenas por ter uma posição política diferente da sua, como aconteceu com Enio Barroso, em São Paulo, há poucos dias (1). Afinal, a alma dessa gente infestou-se de ódio de tal maneira que tudo o que significar destruição do outro lhes será atrativo. Eu me desumanizaria se ficasse ao lado desses semeadores do fascismo.

Todos esses são seres deploráveis, e, definitivamente, quero sempre estar do lado oposto ao deles. Mas há outros, tão igualmente ou mais deploráveis ainda. São os que desprezam os pobres como uma estatística. Dizem, sorridentes: vamos precisar reduzir os salários, vamos precisar aumentar o desemprego. E dizem que será para o bem de quem perder o emprego ou não conseguir mais pagar as contas! Ameaçam, cínicos: temos direitos trabalhistas demais, mas não têm coragem de dizer que precisamos cobrar imposto das grandes fortunas. Não, eu jamais estarei do lado desse tipo de ser que trocou os humanos pelo capital e já não se importa com a miséria e com a falta de emprego e perspectivas, se as taxas de rentabilidade estiverem adequadas.  O meu lado é o outro. É o daqueles que sabem que a dignidade de cada pessoa, especialmente dos mais pobres, é o supremo valor que deve mover a humanidade.

Muitos me perguntarão, indignados:  E a economia? E os casos de corrupção? E isso? E aquilo? Estudei o suficiente para ter boas respostas para essas questões e travar longos debates, mas não são essas as respostas que mais me movem. Prefiro responder, simplesmente, que quero estar do lado que me faz humano, a partir do valor mais humano que podemos compartilhar: a solidariedade.

É por essa razão que não tenho outra alternativa que não seja votar em Dilma Roussef: eu não caminhei até aqui para ser confundido com aquela gente do outro lado, nesta altura da minha vida.

______________

(1) http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/plenos-poderes/blogueiro-enio-que-e-cadeirante-foi-agredido-porque-usava-adesivos-de-dilma/

One Comment

  1. ANTONIO PAULO DA COSTA CARVALHO disse:

    Parabéns, excelente texto. Todavia, há minha família quem tenha votado no lado neoliberal, mas são pessoas humanas. Não se sentiram deste outro lado perverso que o ilustre professor trata. Penso que é falta de cultura e não posição ideológica. abraço,

Leave a Reply

Follow Me!

Follow Me! Follow Me! Follow Me! Follow Me!