Duas vezes 11 de setembro. Quantas vezes 11 de setembro?

13 set 2010 by josé carlos vaz, No Comments »

Neste último sábado, a imprensa e a programação de TV lembrou insistentemente os atentados contra o World Trade Center, ocorridos em 2001.

Lembrei-me que também em 11 de setembro, mas em 1973, ocorreu uma das mais cruéis demonstrações de violência política da direita latino-americana, patrocinada pelo governo dos EUA: o golpe de Estado que tirou do poder o presidente do Chile, Salvador Allende.

Allende, que aspirava construir o socialismo através da democracia, foi vítima de uma campanha mentirosa da imprensa chilena, do preconceito dos setores médios e da traição dos militares liderados por Augusto Pinochet. Seguramente, também foi vítima de seus próprios erros políticos, o que não o desmerece nem um pouco. Morreu enquanto defendia de armas da mão o palácio presidencial de La Moneda. É um mártir da democracia.

Seguiram-se ao golpe dezenas de milhares de desaparecimentos, prisões, assassinatos, torturas e mutilações. O Estádio Nacional do Chile tornou-se cárcere e cadafalso para milhares de pessoas, matadouro operado por uma quadrilha de carniceiros que tomou conta do país. No estádio, o cantor Victor Jara teve suas mãos cortadas pelos militares golpistas.

EM 11 de setembro último, postei no twitter um comentário sobre o fato: “O 11/9 do Chile matou mais gente que o dos EUA. Sempre é bom lembrá-lo, p/ que golpes nâo voltem à America Latina. Nâo falta quem queira.

Em resposta, recebi um comentário de um aluno a quem respeito muito: “Está querendo justificar o 11/09 americano ao lembrar do 11/09 do Chile?

Vindo de um aluno inteligente e bem informado, imagino que não me acusava de justificar o ataque nos EUA, mas  alertava que alguém poderia ficar com essa dúvida. Agradeço a observação.

Melhor que esclarecer via twitter, achei melhor comentar aqui, pois essa dúvida pode ser compartilhada por outros.

O 11 de setembro dos EUA foi um episódio triste que matou 3 mil pessoas inocentes. Não se pode apoiá-lo, logicamente, nem justificá-lo. Explicá-lo, no entanto, é possível, e outros já deram conta disso. Exceto para os neocons ultradireitistas dos EUA (tão copiados no Brasil nas Vejas e outros lixos midiáticos), é impossível não considerar que,  no 11 de setembro dos EUA, o povo norte-americano colheu o que seus governantes vêm plantando há mais de um século.

No Chile de 1973, a manipulação e a mentira da imprensa prepararam terreno para um golpe de Estado criminoso,  contra um governante eleito que sempre prezou a democracia.  Milhares de pessoas foram assassinadas, a Constituição rasgada e o terror implantado. Segundo algumas estimativas, o golpe de Pinochet matou dez vezes mais que o 11 de Setembro americano.

Desculpem-me os americanófilos, mas, para mim, o golpe do Chile é, pelo menos, tão chocante e triste quanto o ataque de 11/9/2001.  E tem algo mais doloroso: foi fruto de um complô envolvendo as instituições do próprio país, com apoio do governo dos EUA.  O mesmo país que se diz paladino da democracia e bombardeia meio mundo por causa disso.

A maior parte de nossa imprensa, funcionando hoje como um partido de direita do tempo da Guerra Fria, prefere fazer-nos chorar com as tristes imagens das torres gêmeas desmoronando, e pouca importância dá à gravidade do que aconteceu em Santiago em 11/9/1973. Talvez porque não descarte que essas coisas um dia venham a ser feitas de novo por aqui, se precisarem…

A minha obrigação, como professor e como ser humano que defende a paz, o socialismo e a democracia baseada no poder popular, é ajudar a lembrar os crimes de Pinochet contra a democracia, contra o povo chileno e contra a humanidade. Para que nunca se repitam.

Como homenagem às vítimas dos crimes de Pinochet, coloco aqui a bela canção de Pablo Milanés,  “Yo Pisaré las Calles Nuevamente“:

E recomendo, àqueles que não conhecem a história, o excelente filme Chove Sobre Santiago, de Helvio Soto.

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