A disputa pelo Centro de São Paulo I

12 jul 2009 by josé carlos vaz, 1 Comment »

Hugo Albuquerque, em seu blog O Descurvo, publicou um excelente post sobre  o problema habitacional de São Paulo. Comentando um debate promovido pelo Fórum Centro Vivo, mostra como o Centro da cidade é um tema de primeira importância nos debates não somente sobre a política habitacional, mas sobre o futuro da cidade.   O Centro é um espaço privilegiado de disputa pela apropriação da riqueza no espaço urbano da metrópole paulistana.  Dotado de infra-estrutura e importantes vantagens locacionais, é visto pelas elites como “desperdiçado” ou “sem vida”, porque ocupado pelas classes inferiores. Para as classes médias, é lugar cheio de riscos, e nisso elas exprimem e reforçam a criminalização da pobreza: os pobres são, antes de mais nada, perigosos. Dentro dessa visão, nada mais natural que se defendam  “medidas que revitalizem” o Centro, o que é uma maneira mais delicada de dizer “medidas que tirem esse bando de pobres daqui”. Assim, por trás das melhorias estéticas, da segurança e das novas funcionalidades urbanas, as políticas de revitalização tradicionais trazem um sentido oculto: o de fazer com que os investimentos públicos e o espaço urbano do Centro sejam apropriados pelos setores dominantes da sociedade e pelas classes médias suas tributárias. Não faltam exemplos disto mundo afora. Para fazê-lo, não é preciso muita inteligência: basta concentrar investimentos, ou promover a expropriação de áreas no Centro para serem entregues aos empreendedores imobiliários (como no caso da Luz); o resto, o mercado dá conta e lá se vão os pobres, expulsos do que em tese também era seu.. A máquina  da exclusão social também tem uma engrenagem chamada exclusão territorial.

A visão alternativa é promover políticas que levem à democratização do Centro. Isto exige considerar o Centro da cidade um patrimônio de todos, um patrimônio de toda a cidade, onde há espaço também para os mais pobres.  Estímulo à moradia popular no Centro é um dos pilares de políticas desse tipo. Em uma cidade como São Paulo, com altas taxas de ociosidade em imóveis no Centro, há plenas condições de fazê-lo, como mostram algumas iniciativas da Secretaria Municipal de Habitação, quando sob o comando de Paulo Teixeira (2001-2004). Mas o governo municipal não se preocupa em utilizar os recursos de que dispõe, como o IPTU progressivo, e com isso estimular a utilização desses imóveis mantidos fechados pela especulação imobiliária. Outro tipo de iniciativa possível é estimular micro e pequenos empreendedores a se estabelecer na região central, utilizando-se de mecanismos estímulo ao desenvolvimento econômico local, como benefícios tributários e microcrédito.

No post, Hugo Albuquerque demonstra como o atual governo municipal, fruto de uma coligação que se ancora exatamente nas elites e nas classes médias  conservadoras, toma  partido nesta disputa. Infelizmente, suas ações caracterizam uma política de gentrificação: veja-se a perseguição aos moradores de rua e sua expulsão de áreas mais nobres do Centro, o abandono da política de produção de habitação popular no Centro e  o projeto Nova Luz.

O post de Hugo Albuquerque caracteriza o governo como  promotor de um “capitalismo kassabista – um monstrinho que junta um pouco do tecnicismo oco dos tucanos com um quê do autoritarismo malufista turbinados pela especulação imobiliária”.  Poder-se-ia acrescentar que a política do governo municipal para o Centro é mais uma face do poliedro irregular que é a modernização conservadora no Brasil.  Esta não pode ser lida pela ética moralista da classe média indignada: não se trata mais da truculência indisfarçada e do predomínio de uma corrupção escancarada. A modernização conservadora promovida pelo governo municipal pode ser vista como um sólido de várias faces, umas diferentes da outras: as faces menores são as pequenas melhorias na eficiência, ou as mudanças cosméticas na cidade, ou medidas demagógicas para atender à indignação desinformada do senso comum, como a publicação dos salários individuais dos servidores. Mas o que interessa é olhar para as faces maiores desse poliedro, normalmente mantidas ocultas. Observando-as, podemos concluir que seu sentido final é claro: manter o poder na mão de quem sempre o exerceu; manter a riqueza na mão de quem sempre a teve; manter a renda concentrada nos mesmos bolsos.

Leia o post citado.

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One Comment

  1. Ricardo disse:

    Concordo. Coincidentemente, escrevi sobre o tema mais abrangente, o da manutenção da riqueza no país: http://laedevolta.com.br/blog/2009/07/12/a-inercia-brasileira-nao-vai-levar-o-pais-a-lugar-nenhum/

    Acho que antes de tratarmos das especificidades locais, é preciso entender o porquê destas manifestações conservadoras no Brasil. Elas não são novas e mudá-las portanto requer grande esforço.

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