O preconceito de uma elite provinciana

2 nov 2010 by josé carlos vaz, 1 Comment »

Nos últimos dias, ganhou destaque os comentários de uma penca de xenófobos racistas contra os nordestinos. Revoltados pela derrota do candidato da direita, muitos protofascistas revoltaram-se, atribuindo a derrota à “Bolsa Esmola” ou “Bolsa 171” de Lula. O caso que mais se destacou foi o da estudante de direito paulista Mayara Petruso (veja aqui excelente texto do jornalista Renato Rovai sobre o assunto).

A mocinha gentil, além de chamar os nordestinos de “vagabundos”, escreveu, textualmente, no twitter: “Nordestito(sic) não é gente, faça um favor a Sp(sic), mate um nordestino afogado!“.    (Para ver uma coletânea desses disparates, clique aqui).

Os piedosos chamam gente que faz isso de ignorantes. Parece-me que cabe melhor a  denominação “criminosos”, pois o racismo é crime neste país.

Mas é verdade que seu crime é um crime social. Ainda que praticado individualmente por cada um, é produto de um ethos compartilhado por determinados setores sociais.

O preconceito normalmente embasa-se no desconhecimento e no medo.

Primeiro, vamos tratar do desconhecimento. Quem se diz “elite” no Brasil de hoje não tem nenhum argumento para justificar seu desconhecimento com relação ao nordeste brasileiro. A menos que seja ignorante por opção. Que é exatamente o que faz a provinciana “elite” paulista leitora da Revista Veja. Sabe tudo apenas do mundo do consumo, do mundo das aparências. Contenta-se em oferecer aos filhos uma educação para passar no vestibular, e para o mercado de trabalho, não para formar cidadãos.

Um dos criminosos racistas na internet, um tal de @raaulduarte (que, como bom covarde, apagou a conta no twitter), usa como argumento para sua superioridade o fato de já ter viajado ao exterior! Ele diz: “você não deve nem ter saído do país, nunca“.  Essa é a postura típica de uma elite provinciana, que acha o máximo mandar os filhos adolescentes passarem uma temporada de intercâmbio em alguma cidadezinha perdida do interior dos EUA, mas não os estimula a conhecer o Brasil real, o da pobreza e da desigualdade. Cria jovens que, aos 18 anos, já viveram no exterior, mas nunca tomaram um ônibus ou o metrô.  Reproduz ignorantes para o mercado.

E que medo é esse, que embasa esse preconceito? O medo é um sentimento tão primitivo que dificilmente pode ser explicado apenas no plano racional. Muitos de nossos medos, nós nem sabemos que os sentimos. Há sempre o medo mais imediato, o de que venham tomar nosso lugar. Em um país baseado na desigualdade, quem se julga “elite” precisa demonstrar o tempo todo que não é “aquela gente”. Para muitos dessa pretensa “elite”, a redução das desigualdades no Brasil, por menor que seja, soa como uma ameaça.  Uma ameaça percebida individualmente, mas também percebida como uma ameaça coletiva, a um modo de vida, a uma determinada identidade cultural e, mesmo, étnica.  A ascenção social é uma ameaça à “gente bonita”, que se vê branca, culta e bem sucedida por conta do seu trabalho.

Esse preconceito nega a História. Floresce em gente que esconde suas origens humildes, seus antepassados índios,  negros ou imigrantes europeus esfarrapados. Gente que não leva em conta a história de suas famílias e as condições propícias que lhe deream vantagens para chegar a seu pretenso “sucesso”. Que ignora, porque não lhe interessa conhecer e entender o Brasil e os processos que construíram as desigualdades regionais no país.  Ao desnudá-los, vê-se o que está em sua base: exploração, escravidão, racismo… Ao tornar clara a gênese e as razões das desigualdades regionais, as desigualdades sociais imediatamente aparecem. E mostra quem ganha com elas.

Uma educação que alimenta o preconceito

Um dos mecanismos que alimenta esse preconceito é a transformação das escolas em guetos. Cúmplice do sucateamento da educação pública paulista nas últimas três décadas,  a  classe média isola seus filhos em escolas que parecem locais “seguros”, onde se encontram apenas os iguais, o que reforça uma identidade compartilhada que nega as outras.

Isso é exatamente o inverso do que a educação pública de qualidade deveria produzir.

A escola pública de qualidade é  a única maneira de  produzir igualdade de oportunidades, ao contrário do que nossa educação pública promove hoje em S. Paulo, criando uma clivagem de classe que faz com que o destino de uma criança esteja traçado aos cinco anos de idade.

Mas não se trata somente de promover a igualdade de oportunidades. A escola pública, ao retomar a qualidade, também será capaz de atrair setores que hoje valem-se de escolas privadas. Acontecendo isto, a escola pública será capaz de promover também a convivência com o outro, aquele que é diferente  em suas origens, família, condição social. Mas não é nem melhor nem pior, igualados todos em direitos por serem cidadãos, não por pagarem a mensalidade.

Enquanto isso, a sociedade deve mobilizar-se para que as Mayaras Petruso não sejam beneficiadas pela solidariedade de classe para escapar às punições que a lei lhes reserva. Não dá para ela, como outros já fizeram, simplesmente dizer “desculpe” e ficar por isso mesmo.

Vale a pena ler também o texto de Ricardo Moraleida, sobre este assunto.

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  1. […] post anterior, falei sobre o preconceito e os crimes de racismo contra os nordestinos, praticados por jovens de São Paulo e do Sul do […]

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