Publico abaixo texto de George Monbiot, publicado no The Guardian, em 30 de agosto de 2011, retirado do blog Competência Informacional para Bibliotecários e sugerido por John Robson, do Grupo de Inteligência Artificial e aluno do curso de Sistemas de Informação da EACH-USP.
Willian L. Picknell, The Banks of the Loing (ca. 1894–97)
O problema é realmente sério. Um professor da USP custeia sua pesquisa com recursos públicos. Entretanto, o sistema de avaliação da produção científica obriga esse pesquisador a publicar os resultados da pesquisa em revistas controladas por essas empresas que faturam milhões à custa de estabelecerem barreiras ao acesso ao conhecimento.
Nem o professor que publica o artigo tem acesso a ele…
Os senhores feudais do conhecimento e do aprendizado
Como editoras acadêmicas adquiriram esses poderes feudais?
Por George Monbiot. Publicado no The Guardian, 30 de agosto de 2011
Tradução livre de Elisabeth Dudziak
Quem são os capitalistas mais cruéis no mundo ocidental? Cujas práticas monopolistas fazem o WalMart parecer uma loja de esquina e Rupert Murdoch parecer um socialista? Você não vai adivinhar a resposta. Enquanto há uma abundância de candidatos, meu voto não vai para os bancos, as companhias de petróleo ou as seguradoras de saúde, mas – vejam só – para as editoras acadêmicas. Esse setor pode parecer insignificante. Mas é tudo menos isso.
Todos concordam que as pessoas devem ser encorajadas a compreender a ciência e a pesquisa acadêmica. Sem o conhecimento atual, não poderíamos tomar decisões coerentes e democráticas. Mas os editores têm colocado cadeados e avisos de “mantenha-se longe” em seus portões.
Você pode se ressentir da política de Murdoch Paywall, que cobra £ 1 por 24 horas de acesso ao Times e Sunday Times. Mas pelo menos nesse período você pode ler e baixar muitos dos artigos que você gosta. A leitura de um único artigo publicado por uma das revistas da Elsevier vai custar $ 31,50 (1). A Springer cobra Eur34.95 (2), a Wiley-Blackwell, $ 42 (3). Se quiser ler dez artigos, pagará dez vezes esse valor. Além disso, as revistas retém direitos autorais perpétuos. Você quer ler uma carta impressa em 1981? Isso vai custar $ 31,50 (4).
Claro, você poderia ir à biblioteca (se ela ainda existir). Mas as bibliotecas também foram atingidas por essas taxas astronômicas. O custo médio de uma assinatura anual de uma revista de química é $ 3792 (5). Algumas revistas custam US $ 10.000 por ano ou mais. Um dos títulos mais caros é a assinatura da revista Biochimica et Biophysica Acta, da Elsevier, que custa 20.930 dólares americanos (6). Embora as bibliotecas acadêmicas estejam cortando freneticamente as assinaturas face às despesas, as revistas agora consomem 65% de seus orçamentos (7), o que significa que elas tiveram que reduzir o número de livros que compram. Essas taxas são um componente significativo dos custos das universidades, que estão sendo repassados aos seus alunos.
Murdoch paga seus jornalistas e editores, e suas empresas geram grande parte do conteúdo que usam. Mas os editores acadêmicos obtêm seus artigos, a sua revisão por pares (reconhecimento da qualidade por outros investigadores) e até mesmo grande parte da sua edição de forma gratuita. O material que publicam foi encomendado e financiado não por eles, mas por nós, através de subsídios governamentais de pesquisa e bolsas acadêmicas. Mas, para vê-lo, temos de pagar de novo.
Os retornos são astronômicos: no ano financeiro passado, por exemplo, a margem de lucro operacional da Elsevier foi de 36% (£ 724m em uma receita de £ 2000000000) (8). Tais lucros são resultado de um estrangulamento no mercado. A Elsevier, a Springer e a Wiley, que já comprou muitos dos seus concorrentes, agora publicam 42% de todos os artigos de periódicos publicados (9).
Mais importante, as universidades estão presas a estas editoras e a seus produtos. Trabalhos acadêmicos são publicados em um só lugar, e eles têm que ser lidos por pesquisadores que tentam manter-se atualizados em sua área. A demanda é inelástica e a competição inexistente, porque diferentes revistas não podem publicar o mesmo material. Em muitos casos, as editoras obrigam as bibliotecas a comprar um pacote grande de revistas, querendo ou não assinar todas elas. Talvez não seja surpreendente que Robert Maxwell tenha feito grande parte de seu dinheiro através de publicações acadêmicas.
Os editores afirmam que eles têm de cobrar essas taxas como resultado dos custos de produção e distribuição, e que agregam valor (como afirma a Springer), porque eles “desenvolvem as marcas das revistas, mantêm e melhoram a infra-estrutura digital que revolucionou a comunicação científica nos últimos 15 anos. “(10) Mas, uma análise do Deutsche Bank chega a conclusões diferentes. “Acreditamos que a editora acrescenta valor relativamente pequeno ao processo de publicação … se o processo fosse realmente tão complexo, caro e de valor agregado como alegam os editores, as margens de lucro de 40% não seriam alcançadas.” (11) Longe de auxiliar na divulgação da pesquisa, as grandes editoras impedem-na, quando não atrasam a liberaração e divulgação dos resusltados das pesquisas em um ano ou mais (12).
O que vemos aqui é o capitalismo puro: monopolizando um recurso público e, em seguida, cobrando taxas exorbitantes para usá-lo. Outro termo para isso é parasitismo econômico. Para obter o conhecimento que já pagamos, devemos nos render aos senhores dos feudos da aprendizagem.
É ruim o suficiente para os acadêmicos, mas é pior para os leigos. Refiro-me aos leitores dos artigos revisados por pares (peer-reviewed articles), que seguem o princípio da leitura das fontes originais. Os leitores me dizem que não têm condições de julgar por si mesmos se estou representado a pesquisa de forma justa ou não. Pesquisadores independentes que tentam informar-se sobre as questões científicas importantes têm de desembolsar milhares (12). Trata-se de um imposto sobre a educação, que sufoca a mentalidade pública. Parece contrariar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que “toda pessoa tem direito à liberdade de … participar do progresso científico e de seus benefícios.” (13)
A publicação em acesso aberto, apesar de sua promessa, e alguns excelentes recursos como a Biblioteca Pública da Ciência e do banco de dados arxiv.org de Física, não conseguiu deslocar o monopolistas. Em 1998, The Economist apresentou um levantamento das oportunidades oferecidas pelas publicações eletrônicas, e previu que “os dias de margens de lucro de 40% estão em vias de morrer, tanto quanto Robert Maxwell.” (14) Mas, em 2010 as margens de lucro operacionais da Elsevier foram as mesmos (36%), como eram em 1998 (15).
A razão é que as grandes editoras têm arredondado para cima o que cobram pelas revistas que possuem os maiores fatores de impacto acadêmico, em que a publicação é essencial para pesquisadores que tentam garantir subsídios e progredir nas suas carreiras (16). Você pode começar a ler publicações de acesso aberto, mas você não pode parar de ler aquelas de acesso restrito.
Órgãos governamentais, com poucas exceções, não conseguiram enfrentá-los. Os Institutos Nacionais de Saúde nos EUA obrigam qualquer um que recebe bolsa a colocar seus documentos em um arquivo de acesso aberto (17). Mas os Institutos Nacionais do Reino Unido, cuja declaração sobre o acesso público é uma obra-prima de waffles sem sentido, contam com “a suposição de que os editores irão manter o espírito das suas políticas atuais.” (18) Pode apostar que eles vão.
No curto prazo, os governos devem consultar os editores acadêmicos e insistir que todos os documentos resultantes de investigação financiada com dinheiro público sejam disponibilizados em um banco de dados público e gratuito (19). A longo prazo, eles devem trabalhar com os pesquisadores para cortar o intermediário completamente, criando, ao longo das linhas propostas por Bjorn Brembs, um arquivo único e global de dados e de literatura acadêmica (20). A revisão por pares seria supervisionada por um organismo independente. Poderia ser financiada pelo orçamento das bibliotecas que está sendo desviado para as mãos dos corsários.
O monopólio do conhecimento é tão injustificado e anacrônico como as Leis do Milho. Vamos jogar fora esses senhores parasitários e liberar a pesquisa que nos pertence.
Acesso ao artigo original: http://www.monbiot.com/2011/08/29/the-lairds-of-learning/
Referências:
1. Eu comprovei os valores cobrados pelas revistas da Elsevier: Journal of Clinical Epidemiology; Radiation Physics e Chemistry and Crop Protection, todas custam EUA $ 31,50. Artigos da quarta publicação que verifiquei, o Journal of Applied Developmental Psychology, custam EUA $ 35,95.
2. Eu comprovei os valores cobrados pelas revistas da Springer: Journal of Applied Spectroscopy, Kinematics and Physics of Celestial Bodies e Ecotoxicology, todas custam Eur34.95.
3. Eu comprovei os valores cobrados pelas revistas da Wiley-Blackwell: Plant Biology, Respirology e Journal of Applied Social Psychology, todas custam EUA $ 42,00.
4. Fiz uma busca nos arquivos da revista Applied Catalysis da Elsevier, e verifiquei os custos do material publicado em sua primeira edição: Abril de 1981.
5. Bjorn Brembs, 2011. What’s Wrong with Scholarly Publishing Today? II. http://www.slideshare.net/brembs/whats-wrong-with-scholarly-publishing-today-ii
6. http://www.elsevier.com/wps/find/journaldescription.cws_home/506062/bibliographic
7. The Economist, 26 de maio de 2011. Of goats and headaches. http://www.economist.com/node/18744177
8. The Economist, como acima.
9. Glenn S. McGuigan e Robert D. Russell, 2008. The Business of Academic Publishing: A Strategic Analysis of the Academic Journal Publishing Industry and its Impact on the Future of Scholarly Publishing. Electronic Journal of Academic and Special Librarianship, v 9, n 3.
http://southernlibrarianship.icaap.org/content/v09n03/mcguigan_g01.html
10. Springer Corporate Communications, 29 de agosto de 2011. Por e-mail, falei com a Elsevier e pedi um comentário, mas eu não recebi resposta.
11. Deutsche Bank AG, 11 de janeiro de 2005. Reed Elsevier: Moving the Supertanker. Global Equity Research Report. Citado por Glenn S. McGuigan e D. Robert Russell, como acima.
12. John P. Conley e Myrna Wooders, março de 2009 But what have you done for me lately? Commercial Publishing, Scholarly Communication, and Open-Access. Economic Analysis & Policy, v39, n 1. www.eap-journal.com/download.php?file=692
13. Artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. http://www.un.org/en/documents/udhr/index.shtml#a27
14. The Economist, 22 de janeiro de 1998. Publishing, perishing, and peer review. http://www.economist.com/node/603719
15. Glenn S. McGuigan e Robert D. Russell, como acima.
16. Ver Glenn S. McGuigan e Robert D. Russell, como acima.
17. http://publicaccess.nih.gov/
18. http://www.rcuk.ac.uk/documents/documents/2006statement.pdf
19. Danny Kingsley mostra como uma pequena mudança pode fazer uma grande diferença: “Atualmente todas as universidades coletam informações e uma cópia de todos os artigos de pesquisa escritos por seus acadêmicos a cada ano. … Mas a versão dos documentos coletados está em PDF e, na maioria dos casos, esta versão não nos permite ter acesso aberto através de repositórios digitais. … A infraestrutura está lá e os processos já estão em vigor. Mas há uma pequena mudança que tem que acontecer antes que nós possamos desfrutar do acesso substancial à pesquisa australiana. O Governo deve especificar a exigência da versão aceita (a versão final corrigida e aceita) dos trabalhos, em vez da comunicação em PDF da Editora. ”
http://theconversation.edu.au/how-one-small-fix-could-open-access-to-research-2637
20. Bjorn Brembs, como acima.
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