Muito se tem publicado sobre as enchentes em S. Paulo. Não pretendo repetir esses argumentos aqui. As tentativas dos governos estadual e municipal de jogar a culpa na natureza ou nos pobres que deitam lixo nos rios não resistem à mais ligeira reflexão.
Informações e análises alarmantes vêm sendo apresentadas por vários técnicos. Além disso, os fatos falam por si, como a escavadeira que caiu em um ponto onde o Tietê devia ter 9 metros de profundidade e ficou com parte considerável para fora da água…
O ponto que quero destacar diz respeito a como o olhar dos governantes sobre a distribuição estatística das ocorrências de chuva pode ajudar a entender o que houve.
É sabido que a principal causa das enchentes em S. Paulo vem de décadas: a especulação imobiliária, de braços dados com a cultura do automóvel. Essa praga é difícil de combater, e muitos dos males que causou já são quase irreversíveis, exceto a um prazo mais longo. Por isso, é necessário uma política metropolitana de combate às enchentes.
Entretanto, essa política foi tratada com desleixo pelos governos estadual e muncipal. Diversas medidas necessárias (obras de drenagem, manutenção da calha do rio Tietê, limpeza pública, decisões de manejo de barragens etc.) não foram realizadas. O dinheiro foi para outras prioridades. Por exemplo, o aumento dos gastos com propaganda e a estúpida ampliação da marginal do Tietê.
Entretanto, sabe-se que:
- Em todo verão ocorrem chuvas em S. Paulo;
- No verão, há dias de chuva forte, em que o volume de chuva que cai em uma única ocorrência é muito grande;
- Costumam ocorrer vários dias com chuvas fortes durante o verão;
- Alguns anos são mais chuvosos que o normal;
- Em alguns anos chuvosos, a precipitação é bem maior que a média geral e que a própria média dos anos chuvosos.
Pelo que se viu, a região metropolitana de SP não estava preparada nem para o caso 2. E, neste ano, tivemos o caso 5: um dos anos mais chuvosos da história. E os governos não estavam preparados para isto.
Não estavam preparados porque ignoraram que com assuntos de tal gravidade não basta pensar: “a probabilidade de um ano superchuvoso é pequena, então não vamos gastar dinheiro para prevenir um nível de enchente que provavelmente não haverá”. Pensar assim é fazer um uso irresponsável da estatística para a decisão sobre assuntos públicos.
Existem riscos que devem ser atacados mesmo que sejam baixos, por não serem toleráveis. A situação do Jardim Romano não é tolerável, com as pessoas há quase dois meses vivendo com água contaminada e esgotos DENTRO de suas casas inundadas. Não é tolerável porque os atentados contra a dignidade humana não podem ser tolerados, não podem ser vistos como uma fatalidade estatística pela qual sentimos muito.
Está claro, a esta altura, que os governos municipal e estadual fizeram uma aposta irresponsável. Não fizeram sua obrigação, e ignoraram a possibilidade de ocorrência de um fenômeno que ocorre de maneira relativamente cíclica: um verão chuvoso.
No lance irresponsável que deram, apostaram o que não era seu: a saúde, a segurança, o patrimônio e a vida das pessoas. E quem perdeu foi a população da cidade, em especial os mais pobres. Infelizmente, alguns pagaram com as próprias vidas. Para aqueles que as puseram sobre a mesa de apostas, talvez não valessem nada, mesmo.
A propósito: o deputado estadual Simão Pedro publicou em seu website um interessante texto sobre as enchentes de S. Paulo, com dados, propostas e análises sobre o assunto. Clique aqui para ler.
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